
Não há consenso sobre o que realmente constitui uma democracia e, como tal, perante a ausência de unanimidade sobre uma teoria que a sustente, durante longos anos, associamos a democracia à nossa libertação da ignorância, da dependência, da intolerância… Cansados, contentamo-nos hoje, de bom grado, com a garantia de que quem chega ao poder ou nele se mantém, o faz através da vontade da maioria.
Foi desta forma que, um pouco por todo o mundo, a eleição de Donald Trump como 45º Presidente dos EUA foi encarada – um resultado da vontade da maioria (ressalve-se que, neste caso, a vontade da maioria é referente aos eleitores do Colégio Eleitoral e não ao voto popular). Porém, quando a maioria dita as regras sem apelar à justiça e à equidade e quando as disposições contra a discriminação consagradas na Carta das Nações Unidas não são respeitadas, o que nos resta do processo democrático para além do sufrágio universal? E o que pensar quando um Estado, pai da globalização que tanto ajudou à difusão dos valores democráticos, descura da diversidade e do pluralismo?
Nós por cá, no velho Continente, temos vindo a assistir ao incremento de movimentos nacionalistas e populistas. Enquanto os níveis de desemprego continuarem elevados, muitos serão os governos que continuarão a adotar políticas migratórias restritivas e Farage, Le Pen e Hofer prosperarão… Com a recessão, os problemas de integração aumentam, de mãos dadas com o desemprego massivo e as retóricas xenófobas. Em 2015, na Polónia, já havíamos presenciado isso – afinal, o partido nacionalista Lei e Justiça não teve dificuldades em formar governo sem recorrer a alianças, contrariando a opinião dos líderes europeus. O desemprego jovem no país rondava os 24%, aproximadamente o triplo do valor apresentado pela vizinha Alemanha. As remunerações salariais, três vezes inferiores. Um ano antes, na Hungria, o Jobbik, autodenominado “radicalmente cristão e nacionalista”, tornava-se na terceira maior força política do país.
Estes partidos e movimentos políticos têm recebido apoio de votantes das mais diversas ideologias políticas. Desenganem-se os que pensam que apenas os homofóbicos, os xenófobos, os racistas e os machistas o fazem… Este apoio é-lhes dado por uma maioria que protesta contra o desemprego galopante, contra a fraca estrutura económica dos Estados e que procura uma alternativa… por pior que essa alternativa nos possa parecer. Cansados das elites políticas e do aparelho do Estado, os norte-americanos votaram em Trump, os polacos em Duda e Szylo e, por este mundo fora, outras maiorias começam a refazer a história dos Estados democráticos ou daquilo que deles resta. Porém, se os direitos humanos são, ainda, o apogeu do Estado democrático e se ainda desejamos uma maior igualdade política e social, não deveremos respeitar esses mesmos direitos?
Por: Raquel dos Santos Fernandes (investigadora – mestre em Ciência Política)