Flagrante delito ou visão selectiva?

Caro leitor, bem sei que com o futebol não se brinca, pois a paixão que temos pelo nosso clube, por vezes nos tolda o discernimento.
Mas, não podemos ficar à margem dos acontecimentos e das imagens que se tornaram virais no final de mais um jogo de futebol, em que claramente se vê um jornalista, repórter de imagem a tentar sair ileso de uma agressão.
Tentemos fazer o exercício de nos abstrairmos das circunstâncias, colocando de lado alguma clubite.
O nosso Código de Processo Penal estabelece que “É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer”- artigo 256.º, nº 1.
Estabelece ainda que em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão, qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção do infractor – artigo 255.º, nº 1, alínea a).
Só por si, o crime de ofensas à integridade física simples pode ser punido com pena de prisão até 3 anos – artigo 143.º, nº 1 do Código Penal; sendo que o mesmo crime qualificado, por ser a vítima jornalista, pode vir a ser punido com pena de prisão até 4 anos – artigo 145.º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma.
Aqui chegados, a pergunta que todos fazemos, é: por que razão o agressor do jornalista não foi detido e foi apenas identificado?
Será que conseguiremos acreditar que as autoridades no local não viram o que aconteceu, apesar dos gritos de ajuda da vítima?
No mês em que se comemora a liberdade, não podemos fechar os olhos a claros ataques à liberdade de imprensa.
São situações destas que levam ao crescimento do descontentamento dos cidadãos. São situações destas que descredibilizam as forças de segurança. A polícia não serve só para caçar multas nas estradas e autuar quem teima em comer gomas na rua ou até mesmo a almoçar no carro.
Cabe também às próprias autoridades policiais mostrarem à população que conseguem cumprir as suas funções sem interferências externas, vindas de onde vierem.
É isto que qualquer cidadão espera, que a Lei seja aplicada a todos sem excepção.
Por: Márcia Henriques* (Advogada e Vice-Presidente do RIR)
(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade da autora)