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Política Internacional

Eleições europeias – a voz de Portugal na Europa

Junho 1, 2019 em Atualidade, Concelho, Cultura, Mundo, Opinião, Política Por barcelosnahorabarcelosnahora
Raquel dos Santos Fernandes

Ao contrário do que se registou em Portugal, a afluência às urnas no passado domingo, registou, a nível europeu, um aumento participativo. Se, por cá, a abstenção atingiu números recordes, a nível comunitário, os valores foram os mais baixos dos últimos 20 anos. Por cá, fica a ilação de que ainda temos muito para trabalhar no que toca à consciencialização sobre as decisões que são tomadas no Parlamento Europeu e, acima de tudo, da importância de votar, honrando o direito e a responsabilidade cívica que herdámos. Pela Europa fora, fica a inferência de olhar para o caso português para lá da abstenção.



O projeto europeu enfrenta uma série de desafios. O euroceticismo, sempre de mãos dadas ao populismo, é talvez aquele que mais sobressai destes resultados. Reino Unido, França, Hungria, Itália, Polónia e Roménia…em todos eles, os partidos eurocéticos foram os mais votados. Da Alemanha, da Áustria, de Espanha e da Estónia seguirão também eurodeputados afetos à ideologia eurocética e a desconfiança no poder institucional intensificada pela falta de transparência e pelas dívidas públicas dos Estados, sem esquecer a crise migratória de 2015, transformaram-se em terreno fértil para a deriva populista. Mas não em Portugal! De cá, ouviu-se a esperança de um projeto que ainda é capaz de trabalhar para uma sociedade inclusa, tolerante, justa e solidária. De que somos capazes de realizar ações coletivas em prol da promoção do bem-estar, das liberdades, do desenvolvimento sustentável e do progresso social. Um projeto capaz de lutar contra a exclusão social e a discriminação, de promover o progresso tecnológico e científico e que respeita a diversidade cultural e linguística.

Foi uma voz pequenina, aquela que se ouviu dos cerca de 30% que exerceram o seu direito de voto, mas é uma voz que se ouve. Uma voz diversificada, que veste cores diferentes, mas que diz não à camisola eurocética e que se senta ao lado de Bruxelas.

Por: Raquel dos Santos Fernandes*.

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade da autora)

Mulher-Cidadã

Março 8, 2019 em Atualidade, Concelho, Cultura, Mundo, Opinião Por barcelosnahorabarcelosnahora
Raquel dos Santos Fernandes

Comemorado há mais de 100 anos, o 8 de março marca a luta contínua da Mulher pelo direito ao voto, ao trabalho, à ocupação de cargos públicos e pelo fim da discriminação em feição do género. Na medida em que a Mulher continua vulnerável em muitos dos seus direitos, a simbologia de uma data para relembrar as sociedades da necessidade de reconhecer essas desigualdades (ao mesmo tempo que se celebram as conquistas das mulheres que superaram tais barreiras) faz do Dia Internacional da Mulher um momento importante para a reflexão dos progressos alcançados, ao mesmo tempo que se reivindica a necessidade de mudança.



A cooptação do Dia Internacional da Mulher pelas ordens tradicionais que constituem as sociedades e os Estados abafou, no entanto, todas estas afirmações e camuflou-as de um modo tão apolítico que tais questões parecem insignificantes quando comparadas à cultura tradicional e de consumo que apenas contribui para intensificar estereótipos de género. Ou teremos já colocado um ponto final em todas as formas de discriminação, todas as formas de violência (veja-se, por exemplo, o tráfico e a exploração sexual) e todas as formas nocivas exercidas sobre a Mulher, como os casamentos forçados e a mutilação genital feminina? Será a disparidade salarial entre os sexos uma falácia e terão as mulheres garantido a participação plena e efetiva em todos os níveis de decisão? Como tal, sendo que nenhuma destas questões foi ultrapassada, a relevância política deste dia não pode ser descartada, até porque qualquer reivindicação do fórum da cidadania será sempre passível de uma forma de politização.

Assinalar esta data não deve, porém, traduzir-se numa guerra dos sexos que traça um combate entre mulheres e homens (os quais também vêm os seus feitos assinalados a 19 de novembro, Dia Internacional do Homem). Trata-se de defender um lugar mais incluso da Mulher que procura a igualdade no seu status social e político, assim como nos seus direitos e nas suas oportunidades. É uma luta pela interação entre homens e mulheres, pelo fim dos processos de dominação e subordinação historicamente vivenciados e pela organização da estrutura das sociedades e das produções culturais marcadas pelas questões de género que tanto afetam o modo como os homens e mulheres são socialmente tratados e estereotipados.

É demonstrar que os efeitos físicos da diferença biológica foram exagerados para manter um sistema patriarcal e confiscar a Mulher a uma análise sociológica restrita às suas funções de mãe e esposa e da qual se exclui um papel da mulher enquanto cidadã. É celebrar os atos de coragem e de determinação das mulheres que desempenharam um papel extraordinário nas suas sociedades e é reivindicar a construção de sistemas mais inclusivos, mais eficientes, mais equitativos e mais igualitários.

Por: Raquel dos Santos Fernandes* (Doutoranda de Ciência Política).

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade da autora)

A Nova Turquia

Julho 1, 2018 em Atualidade, Concelho, Mundo, Opinião, Política Por barcelosnahorabarcelosnahora

Raquel dos Santos Fernandes

No passado domingo, a polarizada Turquia, em estado de emergência desde 2016, foi palco de uma das mais significativas eleições da sua história republicana. Se, por um lado, após o endossamento de uma nova constituição de abril de 2017, o poder legislativo, executivo e judicial do país passa agora a concentrar-se numa única pessoa, por outro lado, devido ao facto do país ser um dos quatro membros do MINT (termo utilizado nas esferas económicas e financeiras para a referência aos setores de investimento do México, Indonésia, Nigéria e Turquia), uma observação mais cautelosa por parte dos Estados é exigida.



O debate em torno da reformulação do país, da repressão à oposição e do apoio da maioria dos meios de comunicação social turcos a Erdogan tem constituído a principal linha de análise à sua liderança, essencialmente uma análise que nasce a partir do estudo de estruturas políticas turcas. O que, porém, tem sido menosprezado desta análise é que os resultados das eleições de 24 de junho revelam um apoio contínuo de um povo a um líder e a um regime de um homem só.

Só este ano, a lira turca caiu aproximadamente 17% face ao dólar. Contudo, sendo que a economia turca continua a crescer – cerca de 7,4% de crescimento no primeiro trimestre de 2018 – a convocação de eleições antecipadas adiantou-se a eventuais desacelerações do crescimento económico e às influências que a queda da lira possa causar ao bolso dos eleitores. O facto das eleições terem sido marcadas para uma data tão iminente impossibilitou a organização das eleições gerais por parte da oposição e, como a inflação e as taxas de juro estão a aumentar progressivamente (sendo que a situação é um fator-chave em qualquer campanha política), a convocação antecipada de eleições ofereceu condições mais vantajosas para a vitória eleitoral do que se realizadas em 2019. Erdogan não quis arriscar, receando que a situação se agravasse. O risco compensou e Erdogan, mais uma vez, saiu vitorioso. Concomitantemente, o AKP saía vitorioso com 42,5% dos votos para as parlamentares, o que, a juntar aos votos atribuídos aos seus parceiros nacionalistas do MHP, lhes conferia uma confortável maioria de 384 assentos parlamentares.

O secular CHP, que havia conseguido o apoio eleitoral das províncias europeias, limitou-se a isso mesmo…ao apoio do coração secular da Turquia. E esta será, porventura, a principal linha diferenciadora que resulta de 24 de junho. Não pela oposição secularismo/islamismo lato sensu, mas pela forma como esta está iminentemente associada à própria polarização da sociedade e à fraca mobilização social arrojada pelos seculares. Erdogan conseguiu por em marcha uma estratégia que, com base na difusão de uma doutrina neo-otomana, alterou a constelação política da Turquia e reestruturar a identidade otomana e islâmica da sociedade, apresentando uma resposta de afirmação, de rompimento e de contrariedade ao processo de secularização. Esta mesma sociedade, onde 99,8% da população é islâmica, sentiu-se, pela mão de Erdogan, quase um século após a instauração da república, aceite, respeitada e, essencialmente, protagonista de um processo político dissimuladamente democrático.

Consciente que a ocidentalização empreendida no país fora sempre orientada para a modernização do centro (elemento intrínseco às estruturas do Estado) e que relegara a sociedade da periferia para um processo de subalternização social, económica e política, o processo de mobilização de Erdogan passou a operar a partir das próprias periferias. E foi esta mobilização, que simultaneamente concilia uma agenda neoliberal e islâmica, que permitiu a Erdogan construir um sistema de poder em torno da sociedade periférica que se sente excluída da agenda da oposição. E, ainda, foi esta mobilização que lhe permitiu dar um passo em frente na consolidação de uma Nova Turquia, enquanto projeto de capacitação política, social e económica da sociedade periférica.

Dizia Einstein que o seu ideal político era a democracia, para que o Homem fosse respeitado e para que nenhum indivíduo fosse venerado ou divinizado. A democracia dissimulada da Nova Turquia afronta-o, contraria-o e evidencia que o líder carismático, o “salvador”, pode bem emergir pelas mãos do povo se, para tal, o líder lhe estender a mão.

Por: Raquel dos Santos Fernandes*.

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade da autora)

Religião, Política e Relações

Abril 1, 2018 em Atualidade, Concelho, Cultura, Mundo, Opinião Por barcelosnahorabarcelosnahora

Raquel dos Santos Fernandes

Religião e Política protagonizam uma das relações mais complexas gozadas pelas sociedades e pelos Estados que as representam. Sendo este um espaço dedicado à Política e pela quadra religiosa em que nos encontramos, seguem-se uma breve reflexão sobre a relação Religião-Política e sobre a influência das estruturas sociais na forma como nos posicionamos e abordamos a Religião, a Política e a sua relação.



As sociedades contemporâneas são, hoje, muito mais multiculturais e a esfera pública possui uma forte presença de cidadãos praticantes e crentes de religiões diferentes. Primeiro, este multiculturalismo invalida a aplicação de pressupostos que, até então, num contexto monocultural, seria válida, e, segundo, no que respeita a esfera internacional, e nem sequer entrando pela acessão da violência baseada na religião, basta notar que, politicamente, no pós-11/09, passou a existir um foco crescente na Religião.

Este contexto revela-se ainda mais significativo quando aplicado à secularização – a principal questão presente na relação Religião-Política – que remove do domínio das instituições religiosas as secções da sociedade e da cultura. E, à medida que aumenta o foco nesta relação, aumenta também a quantidade e a dissonância das diferentes perspetivas e dos diferentes olhares sobre o processo de secularização. Se, no domínio da Política Religiosa, a religião é vista no sentido convencional e a preocupação recai sobre as posições políticas dos dogmas religiosos fundamentais e a forma como o secularismo regula este processo, a Religião Política operacionaliza a construção de uma religião própria, a Religião de Estado. Aqui, passa-se a lidar com uma forma de religiosidade que sacraliza o Estado, uma religião criada pelo Estado e que rompe com a perspetiva convencional de olhar a Religião.

Ao mesmo tempo que o multiculturalismo e o desenvolvimento económico, político e social criaram as condições necessárias para a afirmação da secularização, permitiram que diferentes abordagens sobre este processo fossem surgindo. Entendimentos diferentes sobre o que é a Religião, o que é a Política e sobre o modus operandi da secularização criam diferentes relações entre a Religião e o Política. Será esta relação que ditará o caminho da liberdade de consciência e da separação da Igreja do Estado, assim como a atenção substancial que é dada às necessidades específicas de grupos religiosos minoritários.

Distinguir entre o que é religioso e o que é político torna-se assim incontestável. Quando essa possibilidade não é tida em conta, a Religião da Política ou a Política da Religião tomam o seu lugar, e o que conhecemos como sendo a Religião e a Política deixa de existir.

Por: Raquel dos Santos Fernandes*.

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade da autora)

Contrarrevolução Iraniana

Fevereiro 11, 2018 em Atualidade, Concelho, Cultura, Mundo, Opinião Por barcelosnahorabarcelosnahora

Raquel dos Santos Fernandes

O Irão é o único país do mundo a impor a obrigatoriedade a todas as mulheres muçulmanas e não muçulmanas o uso do véu islâmico. Países como o Afeganistão ou a Arábia Saudita seguiram uma rota semelhante, quer pelo domínio talibã que se viveu no Afeganistão, quer pela matriz cultural Saudita. No Irão, todavia, desde 1983 que a “lei do véu” deixou de ser apenas uma regra hijab e passou a punir, legalmente, as mulheres que a desafiam.



O Irão é um Estado teocrático onde, apesar da realização de eleições, a religião se sobrepõe ao sistema político. O Conselho dos Guardiões, órgão do sistema político que assegura a concordância das leis aprovadas com a lei religiosa, apenas autoriza a candidatura dos apoiantes ao sistema teocrático. O Presidente Hassain Rohani, apontado como uma via moderada entre os políticos conservadores e reformistas iranianos, foi eleito em 2013, tendo sido reconduzido ao cargo nas eleições de 2017. Com a candidatura dos reformistas vetada pelo Conselho dos Guardiões, Rohani surgia como a opção menos inflexível.

A Revolução Iraniana de 1979, que colocou um ponto final na monarquia autocrática pró-Ocidental do Xá Mohammad Reza Pahlevi, trouxe à cena política do Irão Ruhollah Khomeini e a ideia de uma identidade iraniana bastante própria, sem qualquer interferência ocidental, onde o fanatismo absoluto e os princípios religiosos induziam uma reformulação da sociedade iraniana. Como qualquer transformação top-down (de cima para baixo), seja ela democrática ou autoritária, esta imposição do Estado sobre a sociedade, mais cedo ou mais tarde, torna-se alvo de contestação. E, hoje, principalmente em zonas urbanas, o “chador” começa a ser substituído por jeans, os véus caem sobre os ombros e o rosto maquilhado das mulheres mostram que a sociedade iraniana renasceu. Não evoluiu, renasceu. O que está a acontecer no Irão, esta transformação bottom-up (de baixo para cima), é prova do renascimento da sociedade civil para a vida política e social do país. Mais que qualquer manifestação feminista, próxima ao ocidente e à modernização, esta transformação é representativa do ressurgimento da cultura política iraniana e da tentativa de reformulação da relação entre o Estado e a sociedade.

Os protestos contra as regras hijab rompem com a dinâmica tradicional do poder exercida pelo Estado. Se, aquando a sua introdução, estas regras eram representativas do modo ideológico de governo imposto pelo Estado teocrático, a oposição que hoje lhe é feita pode ser encarada como uma contrarrevolução bottom-up, que mais que se opor ao governo, se opõe à conceção de Estado que Khomeini criou e ao envolvimento dos agentes políticos na vida privada dos cidadãos.

Em parte, esta contrarrevolução da sociedade iraniana ajuda a explicar o mote da crónica que aqui assino. Como dizia Bernie Sanders, na corrida às primárias do Partido Democrata, “as verdadeiras mudanças nunca ocorrem de cima para baixo, mas sempre de baixo para cima”. Estas são as mudanças que perduram, que reformulam as relações Estado-sociedade e que fazem renascer a cultura política dos Estados.

Por: Raquel dos Santos Fernandes*.

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade da autora)

O ano (que não foi) de Donald Trump

Dezembro 31, 2017 em Atualidade, Concelho, Mundo, Opinião, Política Por barcelosnahorabarcelosnahora

Raquel dos Santos Fernandes

Nos anos 20, incentivado pelo antissemitismo sofrido pelos judeus na Europa, o desejo de criar um Estado judaico ganhava cada vez mais força. Um forte movimento migratório judaico, alimentado por aspirações sionistas, chegava então ao território otomano da Palestina e logo se iniciou uma onda de resistência entre as comunidades locais. Quando o Império Otomano foi desintegrado, após a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações mandatou o Reino Unido para administrar o território que, após a Segunda Guerra Mundial e depois do Holocausto, a 14 de maio de 1948, se tornaria Israel. No dia seguinte, Egito, Jordânia, Síria e Iraque invadiam o país.


Quando o presidente Trump declarou, oficialmente, Jerusalém como capital de Israel, não só pôs em causa décadas de diplomacia dos EUA, como ameaçou desencadear novas agitações no mundo muçulmano. Como em 1948, como em 1967 e como em 1973. Ainda antes da fundação do Estado de Israel, o conflito israelo-palestiniano já se havia tornado num problema regional, mas Trump parece não conhecer bem a dimensão deste conflito. Ou melhor, talvez Trump, por entre o seu véu megalómano, não se conheça a si mesmo.

Esta é a quarta vez que Trump inicia uma grande mudança que coloca a América em desacordo com um consenso internacional significativo. Claro que vários presidentes americanos assumiram posições que desafiaram o consenso global, mas a diferença é que estes sempre se aliaram a outras grandes potências antes de atuarem e, como resultado, a América foi capaz de liderar, criar impulso e alterar o comportamento internacional. Trump, ao contrário, atuou, sem antes criar essas alianças e o resultado foi a inexistência de uma medida persuasiva que tornasse, novamente, a América grande.

Não surpreendentemente, ninguém o seguiu e nada mudou. As palavras de Washington foram ignoradas, os EUA seguem sozinhos e outros Estados vão tomando as rédeas da liderança global: a China no Pacífico, a Rússia no Oriente Médio e o acordo de Paris decorre de acordo com o previsto, com todos os Estados, à exceção dos EUA, a assumirem uma política ambiental sustentável.

Trump, simplesmente, não foi levado a sério e a América é cada vez mais um alvo de ridicularização do que de admiração.

Muitos outros acontecimentos políticos marcaram o ano de 2017. Poderia ter-me debruçado sobre qualquer um deles, mas parece-me que terminar 2017 com a intuição que este não foi o ano de Donald Trump, poderá ser um bom prognóstico para 2018!

Por: Raquel dos Santos Fernandes*.

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade do/a autor/a)

Herói ou anti-herói?

Novembro 5, 2017 em Atualidade, Concelho, Mundo, Opinião, Política Por barcelosnahorabarcelosnahora

Raquel dos Santos Fernandes

Som una nació. Este era o mote de uma avolumada manifestação organizada em Barcelona, a 10 de julho de 2010, contra a decisão do Tribunal Constitucional em arquivar um recurso de inconstitucionalidade na sequência da aprovação, em junho de 2006, do novo Estatuto de Autonomia da Catalunha.



O movimento catalão para a conquista da independência e a conversão para um Estado republicano, que agora motiva uma enorme mobilização política de caráter maioritariamente identitário, não é novo, e seria importante que essa conjuntura fosse explorada de modo a explicar a forma como este tipo de iniciativas nacionalistas emergiram na sociedade civil. O próprio contexto institucional e político em Espanha sofreu várias alterações nos últimos anos e o contexto de crise económica reforçou o debate sobre a necessidade de introduzir políticas de recentralização para a eficiência económica. A possibilidade de independência ganhou visibilidade no debate político, não apenas ao nível parlamentar e partidário, mas também por uma crescente mobilização social que, em parte, também fora motivada pela perceção de um tratamento injusto pelo Estado em termos políticos e fiscais, como se a independência pudesse trazer um potencial estado de bem-estar que a crise económica lhes limitara.

Quando Puigdemont declarou a independência unilateral afirmando que “o povo determinou que a Catalunha se deve tornar um Estado dependente” criou um novo paradigma que se poderá tornar numa espécie de quadro radioativo para a Catalunha, para a Espanha e para a própria Europa. Primeiro, pelo desejo de independência de uma região com a sua própria língua e identidade; Segundo, pela incapacidade de resposta do governo central às exigências de uma sociedade em mudança e, ainda, pelos precedentes que poderá criar em outros Estados. A forma como os cidadãos se envolveram neste processo fez com que os líderes políticos e os meios de comunicação se voltassem para um panorama nunca antes explorado e, nessa linha, os próprios meios de comunicação poderão desempenhar um papel determinante na formação da opinião pública.

Se nos países autoritários, privados de liberdade, a sua função consiste em legitimar o poder estabelecido, sob o controlo de um governo que impede a emergência na esfera pública da sociedade civil, nos países democráticos, o processo é exatamente o oposto. E, nesse sentido, será interessante analisar, no futuro, as perceções que a opinião pública retirará daí: se a defesa do novo herói catalão ou a crítica ao seu antagónico.

Por: Raquel dos Santos Fernandes*.

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade do/a autor/a)

O arquétipo da corrupção

Setembro 3, 2017 em Atualidade, Concelho, Mundo, Opinião, Política Por barcelosnahorabarcelosnahora

Raquel dos Santos Fernandes

Um país inundado em petróleo e diamantes, onde as rendas na capital podem rondar os 11.000€/mês e onde o governo gasta, em média, 45.000.000€/ano em carros de luxo. Um país de grandes e pomposos investimentos hospitalares, no qual 50% da população não tem acesso a cuidados de saúde básicos. Um número desmedido de aldeias sem escolas, sem água potável… Um país rico o suficiente para, durante anos, atufar Luanda de edifícios analógicos à figura do poder político que a ela se impõe. O país onde uma em cada seis crianças morre antes de completar 5 anos. O maior cemitério infantil do mundo!



Às contas da jovem República de Angola somam-se agora 3 Presidentes e uma Guerra Civil que se arrastou durante 27 anos, protagonizada pelo MPLA e pelo UNITA, que se haviam erguido a partir do objetivo comum de acabar com a ocupação militar portuguesa. Se, até 1991, a Guerra Civil angolana serviu de campo de batalha aos principais intervenientes da Guerra Fria, nos anos que se seguiram pouco se poderá acrescentar àquilo que Angola viveu se não uma luta pelo poder. Pelo poder político, pelo poder militar e pelo poder económico. O MPLA tornou-se no único beneficiário da autoridade definida ainda durante o conflito armado e essa confusão entre partido e Estado ainda persiste. Num país onde quem controla o aparelho do Estado controla as eleições e perante uma oposição pouco eficiente do ponto de vista organizacional, que ainda não é capaz de apagar o sentimento de inimizade criado no passado, outro desfecho que não o de 23 de agosto sempre foi tido como improvável.

José Eduardo dos Santos presidiu a República Angolana durante 38 anos. Deixa agora a presidência mas mantém-se à frente do MPLA, o que lhe permite controlar a estrutura política do país, ao mesmo tempo que mantém todos os privilégios presidenciais. Deixa uma pequena elite governativa que enriqueceu às costas da corrupção e uma governação recheada de nepotismo e clientelismo, que impossibilitou os angolanos comuns de beneficiar da riqueza dos recursos naturais do país. Agora, que o Império comercial imergiu na maior crise económica desde os tempos da Guerra Civil, deixa na memória os sucessivos cortes que visaram os serviços públicos e a certeza que, 38 anos depois, as oportunidades e o início de uma nova vida ainda não chegaram.

Estaríamos a entrar por caminhos muito vagos, perigosos até, se afirmássemos que a Angola de João Lourenço será diferente da de José Eduardo dos Santos, pois desconhecemos uma Angola que não aquela onde o sucesso dos negócios depende das relações entre as empresas e o governo e onde existe um claro favorecimento na distribuição de subsídios e incentivos fiscais. Desconhecemos uma Angola onde os meios de comunicação não são controlados pelo MPLA e onde as manifestações não são usadas para calar os críticos do governo. Se João Lourenço prometeu uma maior transparência e a redução do controlo do Estado sobre a economia do país, a redução da pobreza e da taxa de mortalidade infantil, o que podemos afirmar é que aqui estamos, à espera que as palavras passem a ações e que o novo Presidente seja corajoso o suficiente para romper com este arquétipo da corrupção.

Por: Raquel dos Santos Fernandes*.

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade do/a autor/a)

#FreeRightsDefenders – Os direitos humanos não são crime!

Julho 30, 2017 em Atualidade, Mundo, Opinião, Política Por barcelosnahorabarcelosnahora

Raquel dos Santos Fernandes

São centenas de jornalistas, médicos, professores, polícias e militares! São homens e mulheres que, abdicando do seu conforto e das suas rotinas, se encontram hoje atrás das grades por uma luta que não deveria ser apenas a deles. Este é o meu pequeno contributo ao apelo #FreeRightsDefenders.

Enquanto o Ministro dos Negócios Estrangeiros turco se reunia com altos representantes da União Europeia, o Presidente da Turquia reforçava a sua retórica antiocidental em Ancara. Não o fez por acaso! Recep Tayyip Erdogan é um político pragmático, orientado para o serviço e para uma vertente instrumental, que facilmente percebeu que a influência da Turquia nos Balcãs, na região do Cáucaso, na Ásia Central e no Médio Oriente lhe proporcionariam importantes parcerias estratégicas, propugnando o fortalecimento das relações com os países vizinhos e ressalvando que a Turquia já não se revê no papel de mediador. Essa Turquia é hoje a soma da hegemonia e da dominância do seu líder.

“O Ocidente quer que a Turquia cumpra as suas exigências sem colocarmos questões (…),” começou por dizer, referindo-se aos Critérios de Copenhaga aplicados à candidatura da Turquia à UE. O seu discurso político e a sua postura só poderão ser compreendidos se atendermos ao contexto de insegurança permanente vivido no país e ao envolvimento do mesmo com o secularismo. Nestas circunstâncias, Erdogan desenvolveu uma tripla estratégia: adotou uma linguagem em prol dos direitos humanos e da democracia como escudo discursivo; mobilizou o apoio popular como forma de legitimidade democrática; e, por fim, construiu uma coalizão liberal-democrática com setores modernos e seculares que o reconheciam como um ator político legítimo, ao ponto da sua atual posição institucional lhe fornecer o poder necessário para promover os seus próprios interesses, originando um novo compromisso político e uma nova hegemonia na política turca. Erdogan criou a ideia de vitimização da Turquia face ao Ocidente, ao mesmo tempo que reforça a ideia do grande líder que vem restaurar a grandeza do país, “(…) tenho pena de lhes dizer que essa Turquia já não existe!” E nisso, Erdogan tem razão!




Na Turquia de hoje, estão 150 mil pessoas sob investigação criminal e vários ativistas dos direitos humanos são acusados de cometer crimes em nome de organizações terroristas não identificadas. Na Turquia de hoje, é o mesmo Erdogan que, 19 anos após ter sido declarado pela Amnistia Internacional um prisioneiro de consciência, presidiu à detenção dos mais proeminentes defensores dos direitos humanos na Turquia. Na Turquia de hoje, os meios de comunicação nacionais são controlados pelo Estado e o acesso aos meios internacionais estão bloqueados. Na Turquia de hoje, o povo não apoia os opositores dos direitos humanos, mas apoia a imagem criada em torno do grande líder, apoia o discurso dissimulado que lhes promete o regresso aos tempos de glória, encoberto por juras de justiça e de respeito, e apoia, acima de tudo, a sua pátria e as suas singularidades. E, assim sendo, enquanto os direitos humanos continuarem a ser visados como ocidentais, a Turquia continuará a ser a Turquia de Erdogan.

Os direitos humanos não têm raça, etnia ou nacionalidade. Não têm estratos sociais, não são uma tendência ou uma moda! Os direitos humanos são universais, incolores, insípidos e inodoros e nunca, nunca poderão ser um crime!

Por: Raquel dos Santos Fernandes* – Mestre em Ciência Política

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade do/a autor/a)

Deslocados da humanidade

Junho 25, 2017 em Atualidade, Concelho, Cultura, Educação, Mundo, Opinião, Política Por barcelosnahorabarcelosnahora

Raquel dos Santos Fernandes

Desde 2014, no Iraque, aconteceram 38 ataques a escolas e 59 ataques a hospitais. 1075 crianças foram mortas, 1130 foram mutiladas e feridas e mais de 3 milhões não frequentam a escola regularmente. Mais de 5 milhões de crianças necessitam de assistência humanitária urgente!

No mês que em Portugal se assinala o Dia da Criança, a Unicef emitiu um relatório intitulado “Nowhere to go” (“Sem ter para onde ir”), sobre as crianças no Iraque presas em ciclos de violência e pobreza, numa altura em que o conflito atinge níveis sem precedentes. Só nos últimos 3 anos, esta guerra deslocou 3 milhões de pessoas (metade das quais são crianças). As Nações Unidas, dias antes, divulgava que, à escala mundial, o número de crianças a trabalhar atingia quase os 170 milhões: 98 milhões na agricultura; 54 milhões no setor dos serviços e 12 milhões na indústria. A ONG Plan International revela que 10 milhões de crianças trabalham no serviço doméstico em condições de escravidão (aquela prática social em que um indivíduo assume direitos de propriedade sobre outro e que, até na Mauritânia, já foi abolida há mais de 30 anos), escondidas nas casas de luxo dos seus empregadores/exploradores.




Diz-se que a educação é a melhor solução para o fim do trabalho infantil. Concordo! Quem poderia não concordar? Mas não precisaremos nós também de ser reeducados? Nós, sociedade civil, que há muito o sabemos e o ignoramos? Nós, meios de comunicação, que por não estar presente o fator de proximidade não o consideramos relevante para noticiarmos? Nós, classe política, que em 2003 invadimos o Iraque para, usando as palavras de Tony Blair, “libertarmos o povo iraquiano” e que agora permanecemos impotentes?

Dizia ainda, em 2002, Tony Blair a George W. Bush: “Estarei contigo, haja o que houver”.

E agora? Quem está com elas?

Por: Raquel dos Santos Fernandes*.

(* A redação do artigo de opinião é única e exclusivamente da responsabilidade do/a autor/a)

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