O arquétipo da corrupção


Um país inundado em petróleo e diamantes, onde as rendas na capital podem rondar os 11.000€/mês e onde o governo gasta, em média, 45.000.000€/ano em carros de luxo. Um país de grandes e pomposos investimentos hospitalares, no qual 50% da população não tem acesso a cuidados de saúde básicos. Um número desmedido de aldeias sem escolas, sem água potável… Um país rico o suficiente para, durante anos, atufar Luanda de edifícios analógicos à figura do poder político que a ela se impõe. O país onde uma em cada seis crianças morre antes de completar 5 anos. O maior cemitério infantil do mundo!
Às contas da jovem República de Angola somam-se agora 3 Presidentes e uma Guerra Civil que se arrastou durante 27 anos, protagonizada pelo MPLA e pelo UNITA, que se haviam erguido a partir do objetivo comum de acabar com a ocupação militar portuguesa. Se, até 1991, a Guerra Civil angolana serviu de campo de batalha aos principais intervenientes da Guerra Fria, nos anos que se seguiram pouco se poderá acrescentar àquilo que Angola viveu se não uma luta pelo poder. Pelo poder político, pelo poder militar e pelo poder económico. O MPLA tornou-se no único beneficiário da autoridade definida ainda durante o conflito armado e essa confusão entre partido e Estado ainda persiste. Num país onde quem controla o aparelho do Estado controla as eleições e perante uma oposição pouco eficiente do ponto de vista organizacional, que ainda não é capaz de apagar o sentimento de inimizade criado no passado, outro desfecho que não o de 23 de agosto sempre foi tido como improvável.
José Eduardo dos Santos presidiu a República Angolana durante 38 anos. Deixa agora a presidência mas mantém-se à frente do MPLA, o que lhe permite controlar a estrutura política do país, ao mesmo tempo que mantém todos os privilégios presidenciais. Deixa uma pequena elite governativa que enriqueceu às costas da corrupção e uma governação recheada de nepotismo e clientelismo, que impossibilitou os angolanos comuns de beneficiar da riqueza dos recursos naturais do país. Agora, que o Império comercial imergiu na maior crise económica desde os tempos da Guerra Civil, deixa na memória os sucessivos cortes que visaram os serviços públicos e a certeza que, 38 anos depois, as oportunidades e o início de uma nova vida ainda não chegaram.
Estaríamos a entrar por caminhos muito vagos, perigosos até, se afirmássemos que a Angola de João Lourenço será diferente da de José Eduardo dos Santos, pois desconhecemos uma Angola que não aquela onde o sucesso dos negócios depende das relações entre as empresas e o governo e onde existe um claro favorecimento na distribuição de subsídios e incentivos fiscais. Desconhecemos uma Angola onde os meios de comunicação não são controlados pelo MPLA e onde as manifestações não são usadas para calar os críticos do governo. Se João Lourenço prometeu uma maior transparência e a redução do controlo do Estado sobre a economia do país, a redução da pobreza e da taxa de mortalidade infantil, o que podemos afirmar é que aqui estamos, à espera que as palavras passem a ações e que o novo Presidente seja corajoso o suficiente para romper com este arquétipo da corrupção.
Por: Raquel dos Santos Fernandes*.
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